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CONJUNTO DE CASAS DA VILA AMÉRICA

São Paulo

Autor: Flavio de Rezende Carvalho

Imagens da obra

Imagens do projeto

FICHA TÉCNICA


Nome da obra: Conjunto de casas da Vila América (hoje Jardim Paulista).
Data do projeto/construção/inauguração: 1933 / 1936 / 1938.
Localização/perímetro: Alameda Lorena e Alameda Ministro Rocha Azevedo – Jardim Paulista - São Paulo-SP.
Autor do projeto: Arq. Flavio de Rezende Carvalho.
Intervenções posteriores: A vila foi descaracterizada em sua totalidade.
Tamanho do lote: 3.163 m²; Área construída: Aproximadamente 1.903,77 m².
Tombamento: CONPRESP (nº 2015-0.205.232-2) – Arquivado.




INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS


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CONPRESP. Ata 655 / CONPRESP / 2017. Disponível em: <https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/ata655161017pdf_1510855842.pdf>. Acesso em: 26 jul. 2019.
DAHER, L. C. Flávio de Carvalho: arquitetura e expressionismo. São Paulo, Projeto Editores, 1982.
ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. Conjunto de casas da Alameda Lorena. 2019. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra35654/conjunto-de-casas-da-alameda-lorena-sao-paulo>. Acesso em: 23 jun. 2019.
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LOPES, M. M. O desenho como registro das transformações na arquitetura: Vila Modernista de Flávio de Carvalho e Casas Ecléticas da Alameda Olga. 2016. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo. 2016. Disponível em: <http://tede.mackenzie.br/jspui/handle/tede/3301>. Acesso em: 13 jun. 2019. 
MATTAR, D. (Org.). Flávio de Carvalho: 100 anos de um revolucionário romântico. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 1999.
OSÓRIO, L. C. Flávio de Carvalho. Coleção Espaços da Arte Brasileira. São Paulo: Cosac Naify, 2000.
ROSSETTI, C. P. Flavio de Carvalho: Vila América - Conjunto de Casas da Alameda Lorena: Um Modernismo. 2004. Monografia (Especialização) – Curso de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Estadual Paulista, São Carlos, 2004. Disponível em: <http://docomomo.org.br/wp-content/uploads/2016/01/Carolina-Pierrotti-Rossetti.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2019.
ROSSETTI, C. P. Flávio de Carvalho: questões de arquitetura e urbanismo. 2007. Dissertação (Mestrado em Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo) – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos. 2007.

SOBRE A OBRA


O conjunto é composto por 17 casas localizadas num lote de esquina (alamedas Ministro Rocha Azevedo e Lorena), divididas em dois grupos: externas e internas. As externas são quatro dando para a Al. Ministro Rocha Azevedo, cinco sobre a Al. Lorena e uma (a residência do arquiteto), localizada na esquina. As internas são sete, voltadas para uma ruela de serviço com 9 garagens, concebido, contudo, como um largo. Todas possuem dois acessos (social/serviço) além de ter programa (salas, cozinha, área de serviço e 3 dormitórios) e área (aprox. 150 m² nas externas e 110 m² nas internas) muito semelhantes. Com cômodos relativamente pequenos para os padrões da época, são ricas em variações de layout (algumas possuem lavabo, outras, copa ou sala de jantar, os terraços variam também, e os formatos dos cômodos não são iguais). Contudo, a maior riqueza está nas propostas formais externas. Com construções isentas nos lotes externos e casas geminadas nos internos, o conjunto guarda, em sua variada conformação, uma forte unidade plástica, resultado da utilização de volumetrias cilíndricas nas construções externas e prismáticas nas internas. As janelas, que rompem o volume na quina, são outra característica de unidade formal e de evidência na utilização das proposta modernista (de Le Corbusier e Gropius, mas também de Warchavchik e Costa) A altura do conjunto também é uniforme, térreo mais um andar, mas o arquiteto incorpora, nas construções externas, um solário na cobertura (com acesso por escada interior ou exterior). O solário apresenta uma inesperada laje cogumelo apoiada numa única coluna central, que enriquece o aspecto do conjunto. Não é uma siedlung dos anos 1920, produto rigoroso da industrialização e da repetição formal, é um exercício de composição volumétrica que enriquece a definição lecorbusiana de arquitetura: “jogo sábio, correto e magnífico dos volumes dispostos sob a luz”. A organização geral dos usos internos, contudo, é bastante tradicional, com evidente separação de funções: na frente, para a rua, a área social (sala de estar e de jantar, que pode incluir um lavabo, ou substituir a sala de jantar por uma copa), nos fundos, a área de serviço (cozinha, lavanderia e dormitório), no andar superior, a área privativa (3 dormitórios e um banheiro). Mas, as casas externas incluem um pé-direito duplo na área social que vincula o térreo com o andar superior, permitindo que a circulação dos dormitórios se debruce sobre a sala, criando uma integração inovadora para a época. Também é arrojada a solução do acesso a algumas das residências externas. O arquiteto tira partido da antiga tradição do alpendre, protegendo o acesso através do volume cilíndrico ou prismático do dormitório do andar superior que se projeta à frente da casa. A utilização só de uma coluna, como no solário, não só demonstra arrojo estrutural, como ousadia plástica, dando um expressivo carácter moderno às construções. Outra característica de sua modernidade está na proposta de utilização de cortinas para a adaptação dos ambientes, tanto na flexibilidade para dividir o pé-direito duplo da sala como no fechamento do solário (“modo de usar”, instruções do folheto da obra). A proposta urbanística da implantação também questiona a estrutura tradicional da cidade (quarteirões divididos em lotes isolados), a ruela interna, com seu desígnio de praça, insinua a possibilidade de continuidade do espaço público em outros conjuntos similares, organizando a cidade de uma forma diferente, mas aberta e comunitária. A proposta de cômodos pequenos insinua, segundo alguns historiadores, a intencionalidade do uso intensivo da cidade, amparada na recuperação da dimensão social. A proposta comercial do empreendimento (casas de aluguel), fazia parte desse entendimento: uma sociedade coletiva, socialmente integrada, livre e despojada do atavismo burguês. A proposta obviamente fracassou, o arquiteto terminou vendendo as casas porque as famílias da época não se acomodavam bem nelas (foram maiormente usadas por artistas e intelectuais), a transformação do bairro em uma área comercial pressionou para a adaptação das residências para comércios que sistematicamente foram destruindo-as, hoje encontram-se totalmente corrompidas, a excepção da de número 1.052, da Al. Rocha Azevedo, e algumas internas que ainda guardam grande parte de sua fisionomia externa

Alterações e/ou reformas:
A Vila América de Flavio de Carvalho sofreu inúmeras alterações desde que foi concluída. As mudanças começaram a acontecer depois de que o arquiteto não conseguiu manter o sistema de aluguel em prática, tendo que vender as propriedades, por falta de inquilinos. Os novos proprietários alteraram sistematicamente o projeto original, com a finalidade de adaptá-las a novos usos, especialmente os do comércio. A casa do próprio arquiteto foi demolida e no seu lote foi levantado um edifício de térreo mais oito pavimentos que descaracterizou por completo a ideia do conjunto. Nenhuma das casas hoje desempenha função residencial, todas são ou comércios ou escritórios. Em geral, as casas que são voltadas para as Alamedas (as externas) são as que sofreram maiores alterações, seja na fachada da rua, ou ainda, na que dá para a ruela interna. As casas internas, contudo, estão em melhor estado de conservação, e algumas ainda conservam a conformação do projeto original, assim como sua constituição externa, o que permite ter uma compreensão melhor do conjunto. As casas da Alameda Ministro Rocha Azevedo perderam o volume cilíndrico no pavimento superior, tiveram vãos abertos para criação de vitrines e sofreram acréscimos para aumento da área útil, escondendo assim a casa original. As casas da Alameda Lorena também sofreram alterações semelhantes, perdendo volume frontal e/ou parte da fachada, aumento da área útil e criação de vãos para vitrines. Além disso, houve um acréscimo de pavimento sob as áreas que foram originalmente destinadas a garagens. Sem dúvidas, a casa mais bem preservada é a da Alameda Ministro Rocha Azevedo, 1.052, ao lado do edifício da esquina, uma vez que preserva interna e externamente as características originais do projeto, e onde, atualmente, funciona uma doceria, além desta possuir em sua entrada algumas informações sobre Flavio de Carvalho e o projeto proposto para o conjunto, exemplificando a preocupação que o estabelecimento teve em preservar a memória da obra. O Conpresp debateu, em 2017, a situação do conjunto, segundo ata da reunião, as discussões apresentaram dois pontos de vista: o do DPH, que reconheceu a importância da obra por suas inovações no modo de morar e pela aderência aos princípios do Movimento Moderno (além do fato de ser o único projeto executado pelo arquiteto na cidade de São Paulo), e o do parecerista, Dr. Silvio Zancheti, que alegou descaracterização do projeto e risco de falsificação caso fosse restaurado, prevalecendo este último, o Conselho, na RESOLUÇÃO 34/CONPRESP/2017, optou pelo arquivamento da abertura de processo de tombamento da Vila Flávio De Carvalho.



IMPORTÂNCIA DA OBRA PARA O MOVIMENTO MODERNO


Como afirma Lauro Cavalcanti (2001, p. 90) “Flávio de Carvalho jamais fora incluído no repertório inventariado pelas várias compilações de arquitetura moderna brasileira”, no entanto deve ser considerado como um dos pioneiros da arquitetura moderna no Brasil, pelo posicionamento de ruptura com as formas historicistas ou de moda nos anos 1930, como o Art Déco, e pela sua contribuição à consolidação de uma proposta formal, funcional e construtiva (uma forma de ser) moderna. Fincou uma posição pessoal, é certo, com uma maneira própria de pensar arquitetura, mas que guardava importantes semelhanças com as propostas nacionais e estrangeiras que definem o que hoje entendemos como produtos do Movimento Moderno. Tanto desde um ponto de vista técnico (o uso de novas tecnologias, como o concreto armado), como nos arranjos dos elementos arquitetônicos e na utilização de sintaxes formais e funcionais bastante precisas (fenêtre en longueur, laje plana, terraço jardim, estrutura independente dos fechamentos – fachada livre –, promenade architecturale e novos espaços para novos usos – planta livre –, volumetria prismática e ausência de decoração). Ainda que nem todos estes elementos compareçam no projeto da Vila América, é fácil de perceber que muitos deles têm excelentes soluções apontadas nesse projeto, que devemos lembrar é de 1936. Outros, como a laje plana, são camuflados para que o efeito formal externalize intencionalmente algo que não é (telhados inclinados ocultos por platibandas altas), E ainda que algumas das casas apresentam decorações geométricas na fachada, essa não é a tônica do projeto, e a inclusão desses elementos não chega a afetar o conjunto. Ainda que não é uma construção industrializada, nem foi pensada como uma construção em série, a utilização de elementos semi-industrializados como as caixilharias e guarda-corpos de ferro remetem às propostas similares de arquitetos com Gropius, Le Corbusier, Warchavchik ou Costa, só para citar alguns dos importantes arquitetos da época, no estrangeiro ou aqui, que foram responsáveis pela consolidação do que hoje chamamos de arquitetura moderna. Desde um ponto de vista formal, o conjunto de casas remete às experiências europeias das siedlungen alemãs e holandesas (especialmente às de J. J. P. Oud), ou, ainda, às experiências de Le Corbusier (Pessac). Desde um ponto de vista urbanístico, às alemãs das experiências de Frankfurt levadas adiante por Ernst May, no final dos anos 1920.



SOBRE OS AUTORES


Nascido em uma família abastada na cidade de Amparo da Barra Mansa, Rio de Janeiro, em 10 de agosto de 1899, Flavio Rezende de Carvalho, mudou-se em 1900 para São Paulo. Aos 12 anos muda-se para Paris para estudar e aos 15 vai estudar em Newcastle, Inglaterra. Nessa cidade o futuro artista cursou paralelamente, de 1918 a 1922, engenharia civil na Universidade de Durham e arquitetura na Escola de Belas Artes. Em 1923 volta ao Brasil e inicia sua participação como calculista de barragens na empresa Barros de Oliveira. Um ano depois, exerce função semelhante calculando estruturas no escritório de Ramos de Azevedo. Cinco anos após a Semana de Arte Moderna de 1922 e dois anos após o manifesto de Gregori Warchavchik pela arquitetura moderna, concorre com um projeto para o Palácio do Governo do Estado, que embora não tenha vencido, obteve destaque entre os modernistas. Em 1931 funda junto a outros artistas como Di Cavalcanti, António Gomide e Carlos Prado, o Clube dos Artistas Modernos, em 1932. Como artista foi polémico e ferrenho crítico dos costumes sociais da época, atuava em campos diversos, do teatro às artes plásticas e o desenho, cenografia e crítica, e ainda, durante muitos anos, manteve uma coluna no Diário de São Paulo e foi ilustrador do Diário da Noite. Participou de diversos concursos de arquitetura, mas apenas dois de seus projetos (destinados a uso próprio) foram construídos: a Vila América, no Jardim Paulista, e a Casa da Fazenda Capuava, em Valinhos. Morreu em 4 de junho de 1973, nessa mesma cidade.

Autores da ficha: Fernando G. Vázquez Ramos, Ariadna Guedes Lima, Fernanda Galdino Vieira, Lucas Navarro Teixeira.

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