São Carlos, 02 de novembro de 2024.
Ao Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos (Condepasa),
Sr. Glaucus Renzo Farinello, Presidente do Condepasa (sedurb@santos.sp.gov.br, condepasa-secult@santos.sp.gov.br)
Prezado Sr. Gustavo de Araújo Nunes, Vice-Presidente do Condepasa (condepasa-secult@santos.sp.gov.br)
Ccp. Proprietário: Câmara Municipal de Santos:
Sr. Carlos Teixeira Filho, Presidente da Câmara Municipal da Cidade de Santos (presidência@camarasantos.sp.gov.br)
Sr. Paulo Miyasiro, 1º Vice-presidente da Câmara Municipal da Cidade de Santos (1avicepresidencia@camarasantos.sp.gov.br)
Sr. Francisco Nogueira, 2º Vice-presidente da Câmara Municipal da Cidade de Santos (2avicepresidencia@camarasantos.sp.gov.br)
Sr. Lincoln Reis, , 1º Secretário da Câmara Municipal da Cidade de Santos (1asecretaria@camarasantos.sp.gov.br)
Sr. João Neri, 2º Secretário da Câmara Municipal da Cidade de Santos (2asecretaria@camarasantos.sp.gov.br)
A Universidade Santa Cecília, reconhecida instituição de ensino da cidade de Santos, e o Núcleo DOCOMOMO São Paulo realizaram, entre os dias 26 e 28 de setembro de 2024, o 9º Seminário DOCOMOMO São Paulo. Este seminário, que ocorre a cada dois anos, é o maior evento regional do Núcleo DOCOMOMO São Paulo (https://www.nucleodocomomosp.com.br/), que representa o capítulo estadual do DOCOMOMO Brasil (Comitê Internacional para a Documentação e Preservação de Edifícios, Sítios e Unidades de Vizinhança do Movimento Moderno, https://docomomobrasil.com/). Esta organização não-governamental de relevância internacional é o braço brasileiro do DOCOMOMO International (https://docomomo.com/), uma influente ONG com representações em 69 países e mais de 3.000 membros em todos os continentes.
Tradicionalmente, os seminários organizados pelo Núcleo DOCOMOMO São Paulo encerram-se com visitas aos principais monumentos de arquitetura moderna das cidades que sediam o evento. Assim como em edições anteriores, agenciadas em cidades como São Paulo, São Carlos, Araraquara, São José dos Campos e Taubaté, no dia 28 de setembro de 2024, realizamos visitas às obras modernas localizadas nas cidades de Santos e São Vicente.
Durante a visita, ficamos profundamente consternados com o estado de conservação da antiga Unidade Municipal de Educação Acácio de Paula Leite Sampaio, também conhecida como Escola Técnica de Comércio de Santos, localizada na Rua Sete de Setembro, 14, no Bairro da Vila Nova. Esta importante obra dos arquitetos Décio Tozzi e Luiz Carlos Ramos foi projetada em 1963 e inaugurada em 1969.
Gostaríamos de destacar que esta importante obra faz parte do patrimônio cultural da cidade de Santos, estando oficialmente protegida desde 2016, conforme a Resolução N.º SC 01/2016, Secretaria Municipal de Cultura (Secult), publicada no Diário Oficial em 30 de junho de 2016.
As razões pelas quais a obra foi protegida estão detalhadas na Resolução do Condepasa:
A edificação de concreto armado aparente com tecnologia construtiva inovadora em sua época, exemplar da arquitetura modernista da Escola Paulista Brutalista, [...] surpreende por seu caráter escultórico, de vigorosa expressão plástica na paisagem urbana (Santos, 2016).
A obra também alcançou significativa repercussão nacional e internacional, sendo amplamente divulgada em diversas publicações. Em 1971, recebeu o Prêmio Rino Levi do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento São Paulo (IAB-SP). Além disso, em 2009, uma maquete do projeto foi incorporada à coleção do Museu Nacional de Arte Moderna do Centro Georges Pompidou, em Paris, onde figura com destaque no catálogo da exposição Modernités Plurielles 1905-1970.

No entanto, o edifício da antiga escola Acácio de Paula Leite Sampaio encontra-se atualmente em um estado lamentável de abandono e degradação, o que é incompatível com sua condição de bem protegido pelo patrimônio municipal.
Para ilustrar nossa preocupação, gostaríamos de apresentar, primeiramente, algumas imagens da obra em anos anteriores.

Uma imagem especialmente emblemática que gostaríamos de destacar é a da cerimônia de oficialização da transferência do edifício para o Câmara Municipal de Santos, realizada no dia 4 de novembro de 2019. Esse evento teve grande relevância para o Legislativo santista, sendo importante notar que, naquela ocasião, a construção ainda se encontrava em um estado de conservação relativamente bom.

O ambiente festivo registrado na imagem era plenamente justificado, uma vez que a Câmara Municipal havia anunciado a realização de uma obra de restauro no importante edifício, com o objetivo de devolvê-lo à sociedade como um marco da arquitetura moderna na cidade de Santos, que possui um destacado e significativo patrimônio modernista brasileiro.
Contudo, o que constatamos durante a recente visita foi um misto de desprezo e desconsideração pelo patrimônio histórico e artístico da cidade. A premiada obra de Tozzi e Ramos encontra-se em um estado de triste e revoltante abandono e degradação.









Diante dessa grave situação de desrespeito ao patrimônio público, pelo qual diversas instâncias da prefeitura municipal de Santos deveriam zelar, o Núcleo DOCOMOMO São Paulo, em conformidade com sua missão, que é:
Salvaguardar importantes obras do Movimento Moderno, promover a troca de ideias sobre tecnologias de conservação, história e educação, resgatar o interesse pelos ideais e pela herança do movimento moderno, e suscitar a responsabilidade pela preservação dessa recente herança arquitetônica.
Solicita que sejam tomadas, com urgência, as devidas providências pelas autoridades municipais para enfrentar a gravidade dos fatos aqui relatados.
No caso da obra de Tozzi e Ramos, não se trata apenas de denunciar o abandono e a destruição de um patrimônio municipal. É imprescindível salientar a negligência em relação à gestão da coisa pública e o consequente aumento dos custos para a recuperação do bem, o que inevitavelmente onerará o erário e, portanto, impactando a sociedade como um todo.
A responsabilidade da Câmara Municipal é absolutamente clara, uma vez que é a proprietária do imóvel, recai sobre ela o dever de preservar esse patrimônio, conforme estabelece o Art. 216, § 1º, da Constituição Federal: "O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação."
Em relação à responsabilidade do CONDEPASA, é importante destacar que a lei nº 753, de 20 de junho de 1991, que regula suas atribuições, estabelece em seu Art. 2º que cabe a esse órgão:
V- Promover a estratégia de fiscalização da preservação e do uso dos bens tombados;
VI- Adotar as medidas necessárias a que se produzem os efeitos do tombamento [...]
XI- Manifestar-se sobre projetos, planos e propostas de construção, conservação, reparação, restauração e demolição, bem como os pedidos de licença para funcionamento de atividades comerciais prestadoras de serviços em imóveis situados em local definido como área de preservação e bens culturais e naturais, ouvido o órgão municipal expedidor da respectiva licença (CONDEPASA, 1991).
É importante salientar também que a mesma lei cria o Órgão Técnico de Apoio (O.T.A.), cuja função é 'fiscalizar e supervisionar todos os serviços necessários à conservação e restauração de bens culturais do Município' (Lei nº 753, Art. 9º, Inciso III). Além disso, o Art. 14 estabelece que “os bens tombados ficam sujeitos à inspeção periódica do Conselho”.
Assim, pareceria ser possível ver uma omissão do CONDEPASA, pois deveria zelar pelo patrimônio cultural do município por meio de vistorias e recomendações. É inadmissível que uma obra da relevância deste edifício se encontre em estado notoriamente vandalizado e abandonado.
Pergunta-se: de que adianta acautelar um bem se não se toma conta dele, impedindo a sociedade de usufruí-lo? Importa também destacar que o § 4º do Art. 216 da Constituição Federal que "Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei." Não restam dúvidas de que este bem está sob severa e perigosa ameaça, sofrendo danos materiais graves que comprometem sua integridade física – como a deterioração do concreto armado e a exposição das armaduras de ferro –, configurando-se assim, provavelmente, um delito federal.
O custo de recuperação deste patrimônio, com base em uma metodologia apresentada ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), pode ser estimado em 125% do valor venal do imóvel, devido ao seu severo grau de deterioração. A omissão do poder público é o principal fator responsável por esses danos. Além disso, a pesquisa aponta que a falta de solução para os problemas de degradação, bem como o agravamento contínuo destes, resulta em uma progressão exponencial de 5%, 25%, 50%, 100%, 125%, e assim sucessivamente, em relação ao valor venal do edifício. Em outras palavras, se a edificação tivesse sido restaurada em 2019, o custo da reforma teria sido quatro vezes menor que o valor atual. É provável que esse valor continue a aumentar até que as autoridades finalmente adotem as medidas necessárias para sua preservação e restauração.
Finalmente, é importante ressaltar que existe um projeto de reforma da edificação, elaborado em 2014 pelo próprio arquiteto Décio Tozzi, o qual foi submetido aos órgãos competentes da Prefeitura de Santos no ano seguinte. Esse processo está formalmente registrado na 519ª Reunião Ordinária do CONDEPASA, realizada em 21 de maio de 2015, conforme documento acessível pelo link (https://tinyurl.com/cn89aepw ) e identificado pelo Nº de Processo 016205/2015-49.
Diante do exposto, a inação frente à preservação deste bem não configura apenas uma violação ao ordenamento constitucional, mas também um dano direto ao interesse público, exigindo intervenções imediatas de conservação e restauração. O Núcleo DOCOMOMO São Paulo insta, com urgência, tanto o CONDEPASA quanto a Câmara Municipal a adotarem todas as medidas cabíveis para evitar a destruição de uma das mais importantes obras do brutalismo paulista, amplamente reconhecida no cenário internacional. A preservação deste patrimônio não pode mais ser negligenciada, e as responsabilidades pela sua recuperação devem ser prontamente assumidas, sob o risco de um prejuízo irreparável à história e à cultura arquitetônica da cidade de Santos.
Respeitosamente,
NÚCLEO DOCOMOMO SÃO PAULO
Ivo Renato Giroto Maisa Fonseca de Almeida
Coordenador Executivo Coordenadora Executiva
*A seguinte carta foi escrita em 02 de novembro de 2024, em São Carlos, sendo assinada pelos coordenadores do bienio de 2023-2024.
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